jueves, 2 de mayo de 2024

Jorge Sousa Braga (Cervães, Portugal, 1957)

 

tres poemas










La hierba de la fortuna



La hierba de la fortuna crece como por encanto en las orejas
de los políticos, el primer ministro proclama la amnistía

para los cucos de los relojes, el deshielo en las relaciones inter-
nacionales reestablece el nivel de las aguas en las albuferas,

el ministro de energía se refriega las manos de contento.
Aunque el parte meteorológico esté controlado por el
gobierno, nubes color de plomo toldan frecuentemente
el horizonte, los pescadores de aguas turbias buscan la
alta mar, una lluvia de impuestos cae de imprevisto ah
la lluvia en la primavera, escriben los poetas.

Las golondrinas pueden pasar libremente la frontera. Los
policías regalan guirnaldas a los conductores de vehículos

mal aparcados. O cio invade a assembleia. Los dipu-
tados se bombardean con polen. Un nostálgico del

otoño argumenta: la primavera de Praga también fue
de orugas en las carreteras.

~

Fuego sobre fuego



Mi pezón
en tu
pezón

Sólo tú
sabes sonreir
en la vertical

Gotas de rocío
ligeramente teñidas
de pintalabios

No todos los frutos rojos
merecen el cielo
de tu boca

Más de una vez
atravesé la primavera
con los ojos cerrados

La mariposa que se posó
en tu pezón perdió
las ganas de volar

Voy al cielo
y me
vuelvo

No puedo
amar
más claro

Escribo
con los dedos todavía largos
de la caricia

Solo ahora en ti entré
y ya en todos tus poros
me encontré

No es a rosas ni a violetas
ni a jazmín el olor
que me saca de mí

¿Cuál es mi
o tu
lengua?

No conozco otro
lenguaje que no sea
el del rocío

En el espesor del bosque
lo que mi mano buscaba
era un arándano

Me basta
tu ombligo de vino
para emborracharme

Este fuego
que sólo con fuego
se puede apagar

~

Letanía



Estaba sentado en una sala anexa al quirófano
y una enfermera pasó con tu útero en una bolsa de plástico transparente
Con tu útero con mi primera casa y la de mis hermanos
todavía chorreando sangre
Una pequeña construcción toda en piedra
con divisiones de ladrillo y cal hidráulica
y ventanas abriéndose hacia el valle
Con tu útero
Con la memoria del pan después de fermentado y de tu falda larga llena de harina
Con la memoria de una yema de huevo
Con tu útero
Con la memoria de unos zapatos demasiado apretados
Con la memoria de la tiza y de la plancha de carbón y de los hilvanes
En mi alma antes de ser puesta a prueba
Con tu útero
Con la memoria de una víspera de Navidad de las torrijas y del turrón
Y de las aguas que de súbito inundaron el suelo de la cocina
Con la memoria agitada de esas aguas
Con tu útero
Con la memoria de una explosión de mimosas
Con la memoria del olor a flor de naranjo y a neroli
Con tu útero
Que el anatomo-patólogo dentro de poco se encargaría de descuartizar
Con la cuchilla del bisturí

***

Versiones de Raquel Madrigal Martínez

/

A erva da fortuna



A erva da fortuna cresce como por encanto nas orelhas
dos políticos, o primeiro ministro proclama a amnistia

para os cucos dos relógios, o degelo nas relações inter-
nacionais restabelece o nível das águas nas albufeiras,

o ministro da energia esfrega as mãos de contente.
Embora o boletim meteorológico seja controlado pelo
governo, nuvens cor de chumbo toldam frequentemente
o horizonte, os pescadores de águas turvas procuram o
alto mar, uma chuva de impostos cai de imprevisto ah
a chuva na primavera, escrevem os poetas.

As andorinhas podem passar livremente a fronteira. Os
polícias oferecem grinaldas aos condutores de veículos

mal estacionados. O cio invade a assembleia. Os depu-
tados bombardeiam-se com pólen. Um nostálgico do

outono argumenta: a primavera de Praga também foi
de lagartas nas estradas.

~

Fogo sobre fogo


O meu mamilo
no teu
mamilo

Só tu
sabes sorrir
na vertical

Gotas de orvalho
ligeiramente tingidas
de batom

Nem todos os frutos vermelhos
merecem o céu
da tua boca

Mais do que uma vez
atravessei a primavera
com os olhos fechados

A borboleta que poisou
no teu mamilo perdeu
vontade de voar

Vou ao céu
e venho-
-me

Não posso
amar
mais claro

Escrevo
com os dedos ainda longos
da carícia

Ainda agora em ti entrei
e já em todos os teus poros
me achei

Não é a rosas nem a violetas
nem a jasmim o cheiro
que me põe fora de mim

Qual é a minha
ou a tua
língua?

Não conheço outra
linguagem que não seja
a do orvalho

Na espessura do bosque
o que a minha mão procurava
era um mirtilo

Basta-me
o teu umbigo de vinho
para ficar bêbedo

Este fogo
que só com fogo
se pode apagar

~

Litania



Estava sentado numa sala anexa ao bloco operatório
e uma enfermeira passou com o teu útero num saco de plástico transparente
Com o teu útero com a minha primeira casa e a de meus irmãos
ainda escorrendo sangue
Uma pequena construção toda em pedra
com divisões de tijolo e cal hidráulica
e janelas abrindo para o vale
Com o teu útero
Com a memória do pão depois de levedado e da tua saia comprida cheia de farinha
Com a memória de uma gema de ovo
Com o teu útero
Com a memória de uns sapatos demasiado apertados
Com a memória do giz e do ferro a carvão e dos alinhavos
Na minha alma antes de ser posta à prova
Com o teu útero
Com a memória de uma véspera de Natal das rabanadas e da aletria
E das águas que de súbito inundaram o soalho da cozinha
Com a memória agitada dessas águas
Com o teu útero
Com a memória de uma explosão de mimosas
Com a memória do cheiro a flor de laranjeira e a neroli
Com o teu útero
Que o anátomo-patologista dentro em pouco se encarregaria de retalhar
Com a lâmina do bisturi
 
 
(Fuente: La comparecencia infinita)

 

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